PÓLIO – Transmissão e sintomas
A poliomielite é transmitida, geralmente, através da boca, a partir do contato direto com fezes contaminadas ou por água e alimentos contaminados por essas fezes. Por isso, locais com falta de saneamento, más condições habitacionais e de higiene pessoal precária são mais suscetíveis a doença. A pólio também pode ser disseminada pela forma oral-oral, através de gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar.
O poliovírus se multiplica, inicialmente, nos locais por onde ele entra no organismo (boca, garganta e intestinos). Em seguida, vai para a corrente sanguínea e pode chegar até o sistema nervoso. Desenvolvendo ou não sintomas, o indivíduo infectado elimina o vírus nas fezes, dando continuidade ao ciclo viral. O vírus da poliomielite é bastante resistente, e pode sobreviver durante meses no esgoto.
Na maior parte dos casos, os infectados apresentam poucos sintomas ou nenhum, com um quadro semelhante à gripe, com febre e dor de garganta, ou às infecções gastrintestinais, com náusea, vômito, constipação e dor abdominal. Mas parte dos infectados, especialmente crianças com menos de cinco anos, podem sofrer com formas graves da poliomielite.
Nesses casos, o vírus, após atacar o sistema nervoso, pode causar paralisia flácida aguda permanente, insuficiência respiratória e até o óbito. Em geral, a paralisia se manifesta nos membros inferiores de forma assimétrica, ou seja, ocorre apenas em uma das pernas. As principais características da sequela são a perda da força muscular e dos reflexos, sem perda de sensibilidade.
“Cerca de 97% dos infectados sofre com um quadro respiratório leve, 2% podem apresentar um quadro de meningite e menos de 1% vai desenvolver a paralisia. Após a infecção, não há cura para a paralisia infantil. Uma vez paralítica, a criança está paralítica pelo resto da vida, é um grande drama. A melhor prevenção é a vacina”, destacou Elias.
Pesquisadores da Fiocruz alertam para risco de retorno da poliomielite no Brasil
Juntamente com os demais países da Região das Américas, o Brasil foi certificado, pela Organização Mundial da Saúde, como livre da poliomielite no ano de 1994. Contudo, a doença, também chamada de pólio ou paralisia infantil, corre grande risco de ser reintroduzida no país. A avaliação é do pesquisador Fernando Verani, epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz).
Os motivos para o alerta são vários. O principal deles é a baixa cobertura vacinal. Apesar da gravidade das sequelas provocadas pela pólio, o Brasil não cumpre, desde 2015, a meta de 95% do público-alvo vacinado, patamar necessário para que a população seja considerada protegida contra a doença.
A poliomielite é uma doença infecto-contagiosa aguda causada pelo poliovírus selvagem responsável por diversas epidemias no Brasil e no mundo. Ela pode provocar desde sintomas como os de um resfriado comum a problemas graves no sistema nervoso, como paralisia irreversível, principalmente em crianças com menos de cinco anos de idade.
No país, duas vacinas diferentes são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para a imunização da pólio: a inativada e a atenuada. A vacina inativada deve ser aplicada nos bebês aos 2, 4 e 6 meses de idade. Já o reforço da proteção contra a doença é feito com a vacina atenuada, aquela administrada em gotas por via oral entre os 15 e 18 meses e depois, mais uma vez, entre os 4 e 5 anos de idade.
Segundo o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), a cobertura vacinal com as três doses iniciais da vacina está muito baixa: 67% em 2021. A cobertura das doses de reforço (a de gotinha) é ainda menor, e apenas 52% das crianças foram imunizadas. Nas regiões Nordeste e Norte, a situação é ainda pior, com percentuais de 42% e 44%, respectivamente, para a imunização completa com as cinco doses.
Risco de reintrodução
Uma cobertura vacinal baixa aumenta em muito as chances do retorno do vírus ao país. Por exemplo, em fevereiro de 2022, as autoridades do Malawi, na África, declararam um surto de poliovírus selvagem tipo 1, após a doença infecto-contagiosa ser detectada em uma criança de 3 anos. A menina sofreu paralisia flácida aguda, uma das sequelas mais graves da enfermidade, a qual, muitas vezes, não pode ser revertida.
O último caso de poliomielite no país africano havia sido notificado em 1992, e a África toda declarada livre da doença em 2020. A cepa do vírus responsável por esse caso está geneticamente relacionada à cepa circulante no Paquistão, um dos dois países do mundo, junto com o Afeganistão, onde a pólio continua endêmica.
“Enquanto a poliomielite existir em qualquer lugar do planeta, há o risco de importação da doença. É um vírus perigoso e de alta transmissibilidade, mais transmissível do que o Sars-CoV-2, por exemplo. Estamos com sinal vermelho no Brasil por conta da baixa cobertura vacinal, e é urgente se fazer algo. Não podemos esperar acontecer a tragédia da reintrodução do vírus para tomar providências”, afirmou Fernando Verani.
A opinião é compartilhada pela pesquisadora Dilene Raimundo do Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). “A pandemia veio acentuar ainda mais a vulnerabilidade das populações em relação às doenças infecciosas. Hoje, o deslocamento de pessoas é muito mais fácil e rápido, logo, a possibilidade de circulação do vírus aumenta. Há uma grave possibilidade de a pólio ressurgir no Brasil, como foi com o sarampo, em 2018. Por isso, precisamos chamar a atenção para o risco e para a necessidade de vacinação”.
O virologista Edson Elias, chefe do Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), explicou que a vacinação adequada evita, ainda, o perigo de mutação do vírus atenuado da pólio. “Quando a população está com baixa cobertura vacinal, há o risco de mutação do vírus, ao ser transmitido de pessoa para pessoa, tornando-se uma cepa agressiva”, ressaltou.
Sistema de vigilância também é fundamental
De acordo com Fernando Verani, também é motivo de preocupação a pouca eficiência nas estratégias de vigilância da doença para a contenção de possíveis surtos, como foi feito no Malawi. No país africano, o caso da menina infectada foi rapidamente identificado e a população local foi revacinada contra a poliomielite, impedindo uma epidemia viral.
“Há cerca de três anos, os protocolos de vigilância epidemiológica ficaram enfraquecidos no Brasil. Eles têm a finalidade de detectar e prevenir as doenças transmissíveis. As amostras de esgoto das cidades não têm sido recolhidas com a frequência esperada, e não há a notificação e investigação constante de possíveis casos de paralisia flácida aguda. O país possui os recursos e a expertise para manter a polio erradicada, mas não está tomando as ações necessárias”, disse o pesquisador da ENSP/Fiocruz.
O especialista teme que, caso haja uma importação da doença, o sistema de saúde talvez não consiga agir com a rapidez necessária para reprimir sua disseminação. “Se o vírus for reintroduzido e não houver uma notificação rápida do caso, podemos ter uma epidemia. Com as baixas coberturas vacinais que temos hoje, as crianças estão desprotegidas. Podemos ter centenas ou milhares de crianças paralíticas como consequência”, advertiu o pesquisador da ENSP/Fiocruz.
Entenda mais sobre a poliomielite e a história da doença.
Projeto de Reconquista das Altas Coberturas Vacinais
Em dezembro de 2021, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) e a Secretaria de Vigilância e Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) assinaram um protocolo de intenções para implementar um programa de Reconquista das Altas Coberturas Vacinais.
O projeto estabelecerá uma rede de colaboração interinstitucional, envolvendo atores nacionais e internacionais dos setores governamental, não governamental e privado, em torno da melhoria da cobertura vacinal brasileira. O objetivo é implementar ações de apoio estratégico ao PNI para reverter a trajetória de queda nas coberturas vacinais dos Calendários Nacionais de Vacinação – da Criança, do Adolescente, do Adulto e ldoso, da Gestante e dos Povos Indígenas e, assim, assegurar o controle de doenças transmissíveis que podem ser controladas com o uso de vacinas, como a poliomielite.
Dois tipos de vacina são usados em todo o mundo no combate à poliomielite. Ambos induzem imunidade contra a pólio, bloqueando eficientemente a transmissão de pessoa a pessoa do poliovírus selvagem, protegendo, portanto, os indivíduos vacinados e a comunidade (imunidade de grupo).
A primeira vacina contra a pólio, baseada em um sorotipo de um vírus vivo, mas atenuado, foi desenvolvida pelo virologista Hilary Koprowski. O protótipo foi dado a um menino com oito anos de idade em 27 de fevereiro de 1950. Koprowski continuou a trabalhar na vacina ao longo da década de 1950, liderando grandes ensaios clínicos no Congo Belga e a vacinação de sete milhões de crianças na Polônia contra os sorotipos PV1 e PV3 entre 1958 e 1960.
A segunda vacina de vírus inativado foi desenvolvida em 1952 por Jonas Salk na Universidade de Pittsburgh e foi anunciada ao mundo em 12 de abril de 1955. A vacina de Salk, ou vacina do poliovírus inativado (IPV), é baseada no crescimento do poliovírus em cultura de células renais de um tipo de macaco, sendo o vírus inativado quimicamente com formalina. Após duas doses da IPV (administradas por injeção), 90% ou mais dos indivíduos desenvolve anticorpos protetores contra todos os três sorotipos do poliovírus e, no mínimo, 99% das pessoas se torna imune ao poliovírus após três doses.
Na sequência, Albert Sabin desenvolveu outra vacina oral contra a pólio com vírus vivo (OPV). Ela foi produzida pela passagem repetida do vírus por células não humanas a temperaturas subfisiológicas. Uma única dose da OPV de Sabin produz imunidade contra os três sorotipos de poliovírus em cerca de 50% dos que a receberam. Três doses da vacina produzem anticorpos protetores contra os três sorotipos em mais de 95% dos vacinados. Os ensaios clínicos em humanos com a VOP de Sabin começaram em 1957, e em 1958 ela foi selecionada, entre as vacinas de vírus vivos de Koprowski e de outros pesquisadores, pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH).
Autorizada em 1962, tornou-se rapidamente a única vacina contra a pólio utilizada em todo o mundo. No Brasil, sua forma inspirou o personagem Zé Gotinha na campanha contra a poliomielite em meados da década de 1980.
Pelo fato de a OPV de Sabin ser barata, de fácil administração e por produzir excelente imunidade no intestino (o que ajuda a prevenir infecções por vírus selvagens em áreas endêmicas), ela tem sido a vacina de escolha no controle da poliomielite em muitos países. Em ocasiões muito raras, o vírus atenuado pode sofrer mutação para uma forma capaz de causar paralisia. A maioria dos países trocou a OPV pela IPV, que não sofre mutação, seja como única vacina contra a poliomielite ou em combinação com a vacina oral contra a pólio.
Estratégia atual de imunização contra a poliomielite no Brasil
A principal ação é a substituição da vacina oral da poliomielite (VOP) trivalente, com os sorotipos 1, 2 e 3, pela VOP bivalente, com os sorotipos 1 e 3. As VOP trivalentes recolhidas serão incineradas, uma vez que se deseja evitar que o poliovírus vacinal sorotipo 2, que é vivo/atenuado, seja eliminado no meio ambiente, possibilitando a infecção de pessoas pelo vírus derivado da vacina em locais com baixa cobertura vacinal.
A VOP bivalente está disponível nas salas de vacina desde agosto de 2016. Outra mudança instituída, em 2016, foi a alteração do esquema básico de vacinação da criança. O novo esquema indica a vacina inativada da poliomielite (VIP) nas três primeiras doses (2, 4 e 6 meses) e a VOP apenas nos dois reforços (15 meses e 4 anos) e campanhas anuais.
Como Brasil entrou em lista de ‘alto risco’ de volta da pólio
14 dezembro 2021
Brasil, Bolívia, Equador, Guatemala, Haiti, Paraguai, Suriname e Venezuela são os países das Américas com alto risco de volta da poliomielite, segundo informes divulgados pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) ao longo do segundo semestre de 2021.
De acordo com a entidade, a baixa taxa de vacinação nesses locais representa um perigo para todo o continente, que não registra um único caso da doença há exatos 30 anos.
- Como Sabin foi colaborar na erradicação da pólio no Brasil — e acabou saindo pela porta dos fundos
- Pai que deixa de vacinar não quer o bem do filho, diz mãe do último caso de pólio do Brasil
“Esses países, que representam 32% da população com menos de um ano de idade das Américas, têm sustentado uma baixa cobertura de vacinação e sistemas de vigilância fracos, o que representa uma ameaça de emergência do vírus e a subsequente circulação dele”, alerta a Opas.
Mas como o Brasil, que teve um dos programas de imunização contra a pólio mais bem-sucedidos da região, foi parar nessa lista? E o que está sendo feito para reverter esse panorama?
De acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a pandemia de covid-19, a falta de campanhas de comunicação, uma desconfiança generalizada nas autoridades e a sensação de que essa doença não preocupa mais são alguns dos fatores que ajudam a explicar a atual situação.
Todos juntos contra a Pólio!
Dra. Célia Wada
24/12/2021