A LUTA DE JONAS SALK
Primeiro cientista a descobrir a vacina contra a poliomielite, foi aclamado como herói e reconhecido no mundo inteiro por ter contribuído para a cura desta doença.
Edição 31 – Dezembro de 2000
Até os anos 50, a poliomielite representava uma praga terrível. Desde o início do século, pode ter aleijado ou custado a vida de mais de um milhão de jovens. O vírus provoca um quadro semelhante a uma gripe, mas quando penetra no sistema nervoso leva à paralisia e, às vezes, à morte. É transmissível por contato direto com pessoas infectadas e ataca, principalmente, crianças. As epidemias eram anuais e provocavam medo e pânico.
As imagens que a imprensa veiculava de crianças pequenas com músculos atrofiados, em cadeiras de rodas, apoiadas em muletas ou necessitando de respiradores artificiais, eram particularmente impressionantes. Era inevitável que quem conseguisse exorcizar esses medos, se tornaria um herói internacional e seria reconhecido como “o salvador das crianças”.
A probabilidade de um microbiólogo adquirir fama é mínima e logo contestada pelos concorrentes. No campo cientifico, até pequenas descobertas costumam deixar um rastro de reivindicações e reclamações, e podem suscitar inveja e maldade. Na verdade, o mérito de ter debelado e praticamente erradicado a poliomielite do mundo ocidental pertence não a um, mas a dois cientistas. Em meio a grande publicidade, declarações e controvérsias, as pesquisas no decorrer da década de 1950 eram lideradas por Jonas Salk e Albert Sabin. Usando métodos antagônicos e em acirrado conflito pessoal, os dois cientistas desenvolveram duas vacinas extremamente eficazes contra a pólio, com um intervalo de seis anos.
Mas como Salk chegou primeiro, recebeu as honras e os reconhecimentos do público leigo, já que o mundo científico não gostava muito dele e nunca o agraciou com o Prêmio Nobel, nem o aceitou como membro da Academia Nacional de Ciências.
Sua vida
Salk nasceu em Nova York, em 1914; era filho primogênito de um casal de imigrantes judeus ortodoxos de origem polonesa que viviam no Bronx e trabalhavam na área de confecções femininas. Em casa era o mais religioso dos irmãos, que o chamavam de “pequeno rabino”. Colocava os tefilin diariamente e freqüentava regularmente a sinagoga até terminar o colegial. Sua mãe teria gostado que se tornasse professor ou rabino. Mas ele afirmava que se interessava “pelas leis da natureza” e desde pequeno “o impressionavam as tragédias da vida, para continuar indiferente ao que acontecia ao próximo”. Isso o estimulou a realizar algo positivo em prol da humanidade.
Foi aluno brilhante no curso universitário básico e na Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York. Desde cedo teve vocação para a pesquisa, embora admita: “Minha mãe ficaria muito feliz se eu tivesse um consultório na Park Avenue”.
Recém-formado, conseguiu uma posição invejável como pesquisador na Universidade de Michigan para estudar virologia ao lado do eminente professor Thomas Francis. Juntos trabalharam para o desenvolvimento de uma das primeiras vacinas contra a gripe, usando o vírus influenza inativado.
Em 1939 casou com Donna Lindsey. Tiveram três filhos, mas divorciaram-se em 1969. Seus três filhos se tornaram médicos. Pouco depois, casou novamente com Françoise Gilot, escritora e pintora francesa que fora companheira de Picasso no final da década de 40, início da de 50.
Vacina contra-pólio
Depois da Segunda Guerra Mundial, Salk mudou-se para a Universidade de Pittsburg, onde se dedicou à pesquisa sobre a poliomielite. Por sorte, chegou a publicar alguns trabalhos teóricos básicos sobre o vírus, que chamaram a atenção de Basil O’ Connor, presidente da Fundação para a Paralisia Infantil: acreditando em Salk, investiu fundos e lhe deu total autonomia para desenvolver seu trabalho.
Mas quem forneceu a peça chave que permitiu a Salk produzir sua vacina foi John Enders, de Harvard, que recebeu em 1954 o Prêmio Nobel por ter conseguido cultivar “in vitro” o vírus da poliomielite – um trabalho revolucionário – fornecendo aos cientistas empenhados na produção da vacina quantos vírus fossem necessários, de forma rápida e segura.
O objetivo estava, então, configurado. Chegar primeiro era apenas questão de sorte e de rapidez – no que Salk era forte. Ele trabalhava com uma vacina obtida com vírus mortos.
Já Sabin vinha de uma escola antagônica de pesquisa de vacinas. Como Louis Pasteur, acreditava que o caminho para produzir imunidade permanente passava pela criação de uma infecção leve usando um vírus vivo, mas de virulência extremamente atenuada. Trabalhava na produção de uma vacina de acordo com esta teoria.
Salk, valendo-se de sua experiência com a vacina contra a gripe, sabia muito bem que o sistema imunológico podia ser estimulado sem infecção propriamente, apenas com um vírus inativado ou morto.
A vacina de Salk, que usava um soro injetável contendo vírus mortos, era de preparo mais fácil e rápido: foi testada pela primeira vez em 1952, e, em 1954, Salk e Francis iniciaram uma vacinação em massa no maior experimento médico realizado nos Estados Unidos. Vacinaram mais de um milhão de crianças, entre 6 e 9 anos, parte com a vacina e parte com o placebo.
A vacina funcionou. Mas no mundo científico, a divulgação desses dados deveria seguir um protocolo: primeiro a publicação em revista médica espe-cializada e depois o mais amplo possível reconhecimento dos créditos.
Salk não seguiu este protocolo, deu uma entrevista coletiva e falou pelo rádio. Acabou recebendo todos os créditos.
Esse erro o perseguiria. Para os cientistas, Salk fora vaidoso. Até hoje, não o perdoaram por não ter reconhecido o valor e citado Enders e os colegas de Pittsburg. Tudo o que fez posteriormente foi visto com certa desconfiança.
A vacina de Albert Sabin, com vírus vivo atenuado e para administração por via oral, ficou pronta em 1961. O vírus vivo daria uma imunidade superior e mais prolongada, entretanto as duas vacinas são eficazes e usadas até hoje nos Estados Unidos.
Em 1963, Salk fundou e dirigiu o “Instituto Salk para Estudos Biológicos”, em La Jolla, Califórnia. Desde 1986, dedicou-se ao desenvolvimento de uma vacina contra a Aids. “Não podia parar; a pessoa fracassa se pára cedo”, dizia o cientista. Em 1994, menos de um ano antes de sua morte, dizia que havia feito “progressos enormes”.
Salk encarava os obstáculos filosoficamente como desafios: “Eu era consciente de que algumas portas que me foram fechadas resultaram em outras portas que se abriram”.
Ainda jovem se candidatou a trabalhar na pesquisa das doenças reumáticas e não foi aceito. Uma porta lhe foi fechada, por isso se voltou à pesquisas do vírus da gripe.
Salk acreditava que a sua origem judaica teve um papel fundamental em sua vida e sua carreira: “…forneceu-me as qualidades necessárias para sobreviver e evoluir. Assim tenho visto as adversidades: como uma vantagem. Os judeus aprenderam a desenvolver uma sabedoria inata sobre como conseguir lutar e crescer. Pude ver isso da forma que minha mãe criou seus filhos. O que ela queria acima de tudo era que fôssemos melhores que ela.”
Salk morreu em 1995 de um infarto do miocárdio. Estava estudando e trabalhando com o vírus da Aids.
Com a descoberta da vacina que erradicou a poliomielite, Jonas Salk se tornou um grande herói da medicina. Seu nome será sempre associado às vidas salvas de uma das mais temíveis doenças do século XX. Quanto a Albert Sabin, sua contribuição à virologia se estende muito além do seu trabalho com a poliomielite. Antes de criar sua vacina oral, este cientista, também de origem judaica polonesa, desenvolveu as vacinas contra a dengue e contra a encefalite japonesa. Ao morrer, em 1993, com 86 anos, estudava o papel dos vírus nos tumores.
Bibliografia:
Time Magazine 100, The Century Greatest Minds. March 29, 1999.
Slater & Slater, Great Jewish Men. Jonas Salk, pág. 267
M. Shapiro, The Jewish 100. pág. 286.