Resumo: A denominação dos corpos cetônicos foi organizada por convenção, uma vez que, estritamente falando, o β-hidroxibutirato não possui uma função cetônica. Essas três moléculas são solúveis em água, o que facilita o transporte no sangue. Sua principal função é fornecer energia a certos tecidos, como o músculo esquelético e cardíaco.
As enzimas envolvidas na formação dos corpos cetônicos estão principalmente no fígado e nas células renais, o que explica por que esses dois locais são os principais produtores desses metabólitos. Sua síntese ocorre apenas e exclusivamente na matriz mitocondrial das células.
Uma vez sintetizadas, essas moléculas passam para a corrente sanguínea para os tecidos que as requerem, onde se degradam em acetil-CoA.
O corpo principal da cetona é o acetoacetato ou ácido acetoacético, que é sintetizado principalmente nas células do fígado. As outras moléculas que compõem os corpos cetônicos são derivadas do acetoacetato.
A redução do ácido acetoacético dá origem ao D-β-hidroxibutirato, o segundo corpo de cetona. A acetona é um composto que é difícil de degradar e é produzido por uma reação espontânea de descarboxilação do acetoacetato (portanto, não requer a intervenção de nenhuma enzima), quando está presente em altas concentrações sanguíneas.
Durante o processo de oxidação dos ácidos graxos no fígado dos seres humanos e da maioria dos outros mamíferos, o acetil-CoA (acetilcoenzima A) formado pode entrar no ciclo do ácido cítrico ou pode ser convertido nos denominados “corpos cetônicos”, ou seja, em acetoacetato, D-β-hidroxibutirato e acetona, que são exportados para outros tecidos através da circulação sanguínea.
A acetona, que é produzida em menor quantidade do que os outros compostos, é exalada. O acetoacetato e o D-β-hidroxibutirato são transportados pelo sangue até alcançarem os tecidos extra-hepáticos (por exemplo, músculos esqueléticos, cardíaco, córtex renal), onde ocorre a oxidação desses compostos por meio da via do ciclo do ácido cítrico para fornecer grande parte da energia requerida por esses mesmos tecidos. O cérebro, que normalmente usa apenas a glicose como combustível, em condições de necessidade (fome), quando a glicose não está disponível, pode adaptar-se para utilizar o acetoacetato ou o D-β-hidroxibutirato na obtenção de energia.
A disponibilidade de oxalacetato para iniciar a entrada do acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico é o principal fator determinante da via metabólica que será tomada pelo acetil-CoA na mitocôndria do fígado. Em certas circunstâncias, como no jejum, as moléculas de oxalacetato são retiradas do ciclo do ácido cítrico e utilizadas na síntese de moléculas de glicose (gliconeogênese). Quando a concentração de oxalacetato está muito baixa, pouco acetil-CoA entra no ciclo de Krebs e, assim, a formação de corpos cetônicos é favorecida.
A produção do composto em questão pelo fígado e sua exportação para os tecidos extra-hepáticos, em geral, permitem a oxidação continuada dos ácidos graxos no fígado, mesmo quando não há a oxidação do acetil-CoA por meio do ciclo do ácido cítrico.
O primeiro evento para a formação do acetoacetato a nível hepático é a condensação enzimática de duas moléculas de acetil-CoA, cataliada pela enzima tiolase. Então, há a condensação do acetoacetil-CoA em acetil-CoA para originar o β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA, o qual é quebrado para formar acetoato livre e acetil-CoA.
O acetoato livre é reduzido em D-β-hidroxibutirato, através de uma reação reversível catalisada pela enzima D-β-hidroxibutirato desidrogenase. O acetoato é facilmente descarboxilado; o grupo carboxila pode ser perdido espontaneamente ou pela ação da acetoacetato descarboxilase.
Nos tecidos extra-hepáticos o D-β-hidroxibutirato é oxidado até acetoacetato pela D-β-hidroxibutirato desidrogenase. O acetoacetato é ativado para dar origem ao éster da coenzima A por transferência do CoA do succinil-CoA (intermediário do ciclo do ácido cítrico), em uma reação catalisada pela β-cetoacil-CoA transferase. O acetil-CoA é então clivado pela enzima tilose, liberando suas duas moléculas de acetil-CoA que, por sua vez, entram no ciclo do ácido cítrico.
A produção e a exportação dos corpos cetônicos pelo fígado permitem a oxidação continuada dos ácidos graxos, mesmo com uma mínima oxidação do acetil-CoA a nível hepático. Isso ocorre, por exemplo, quando os intermediários do ácido cítrico estão empregados para a síntese de glicose, através da gliconeogênese, a oxidação dos intermediários do ciclo do ácido cítrico diminui e o mesmo ocorre com a oxidação do acetil-CoA. Além disso, o fígado possui uma quantidade limitada de coenzima A e, quando a maior parte dela está ligada nas moléculas do acetil-CoA, a β-oxidação dos ácidos graxos é reduzida de velocidade devido à falta desta coenzima livre. A produção e a exportação dos corpos cetônicos liberam a coenzima A, permitindo que a oxidação dos ácidos graxos continue.
Casos como jejum prolongado, ou diabetes melito não-tratado, resultam em uma superprodução de corpos cetônicos, à qual se associam sérios problemas médicos. Durante o jejum, a gliconeogênese retira a maior parte dos intermediários do ciclo de Krebs, redirecionando o acetil-CoA para a produção de corpos cetônicos. No diabetes não-tratado, a insulina está presente em ínfimas quantidades, e os tecidos extra-hepáticos não conseguem captar a glicose da corrente sangüínea de forma eficiente. Para aumentar o nível de glicose no sangue, a gliconeogênese hepática é acelerada, o que também ocorre com a oxidação dos ácidos graxos no fígado e na musculatura, gerando uma produção de corpos cetônicos acima da capacidade de sua oxidação pelos tecidos extra-hepáticos.
O aumento nos níveis sangüíneos do acetoacetato e D-β-hidroxibutirato diminuem o pH sangüíneo, resultando em uma acidose, condição que pode provocar o coma, em casos extremos, e até evoluir para a morte. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de indivíduos diabéticos não-tratados podem atingir níveis muito altos, condição denominada cetose.
enviado por Dra. Célia Wada – CRF-7043.
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