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Remoldurando

Remoldurando

Por Rabino Jonathan Sacks z”l

Maimônides chamava seu tipo ideal de ser humano – o sábio – de rofe nefashot, um “curador de almas”.1 Hoje chamamos uma pessoa assim de psicoterapeuta, uma palavra recentemente cunhada da palavra grega psique, que significa “alma” e therapeia, “cura”. É impressionante como tantos dos curadores de alma nos tempos modernos têm sido judeus.

Quase todos os primeiros psicoterapeutas eram, entre eles Sigmund Freud, Alfred Adler, Otto Rank e Melanie Klein. Isso foi tão impressionante, que a psicanálise era conhecida na Alemanha nazista como “ciência judaica”.

As mais recentes contribuições judaicas incluem Solomon Asch sobre conformidade, Lawrence Kohlberg sobre psicologia comportamental e Bruno Bettelheim sobre psicologia infantil. De Leon Festinger vem o conceito de dissonância cognitiva, de Howard Gardner a ideia de inteligências múltiplas e de Peter Salovey e Daniel Goleman, a inteligência emocional.

Abraham Maslow nos deu nova visão sobre motivação, como fez Walter Moschel com autocontrole via o famoso “teste marshmallow”. Daniel Kahneman e Mos Tversky nos deram teoria prospecta e economia comportamental. Mais recentemente, Jonathan Haidt e Joshua Greeen foram pioneiros no estudo empírico das emoções morais. A lista segue interminável.

Para a minha mente porém, uma das mais importantes contribuições judaicas vêm de três figuras de destaque: Viktor Frankl, Aaon T. Beck e Martin Seligman, Frankl criou o método conhecido como Logoterapia, baseado na busca por um significado. Beck foi o criador em conjunto da mais bem sucedida forma de tratamento, Terapia do Comportamento Cognitivo. Seligman nos deu a Psicologia Positiva, ou seja, psicologia não apenas como cura para a depressão mas como meio de atingir a felicidade ou florescer através do otimismo adquirido.

São abordagens muito diferentes mas têm uma coisa em comum. São baseadas em uma crença – estabelecida muito antes em Chabad Hassidim no livro Tanya de Rabi Shneur Zalman de Liadi – que se mudarmos a maneira de pensar, mudaremos a maneira de nos sentirmos. Isso fi, no início, uma proposição revolucionária em grande contraste com outras teorias da psique humana. Alguns acreditavam que nosso caráter é determinado por fatores genéticos. Outros pensavam que nossa vida emocional era governada por experiências da infância e vontades inconscientes. Outros, o mais famoso sendo Ivan Pavlov, acreditavam que o comportamento humano é determinado por condicionamento. Em todas essas teorias nossa liberdade interior é severamente cerceada. Quem somos, e como nos sentimos, é largamente ditado por fatores outros que a mente consciente.

Foi Viktor Frankl que mostrou existir outra maneira – e ele fez isso sob algumas das piores condições jamais suportadas por seres humanos: em Auschwitz. Como prisioneiro ali, Frankl descobriu que os nazistas tiravam quase tudo que torna as pessoas humanas: suas posses, roupas, cabelo, os próprios nomes. Antes de ser enviado para Auschwitz, Frankl tinha sido um terapeuta especializado em curar pessoas que tinham tendências suicidas. No campo, ele devotou-se o quanto podia em dar aos seus colegas prisioneiros a vontade de viver, sabendo que se a perdessem, logo morreriam.

Ali ele fez a descoberta fundamental pela qual se tornou famoso mais tarde: Nós que vivemos em campos de concentração podemos lembrar os homens que caminhavam através dos barracos confortando outros, doando seu ultimo pedaço de pão. Podem ter sido poucos em número, mas oferecem prova suficiente de que tudo pode ser tirado de um homem, exceto uma coisa: a ultima das liberdade humanas – escolher a própria atitude em qualquer circunstância, para escolher seu próprio caminho.2

O que fez a diferença, o que deu às pessoas a vontade de viver, foi a crença de que havia uma tarefa para elas cumprirem, uma missão, que elas ainda não tinham completado e que estava esperando para que fizessem no futuro. Frankl descobriu que “não importa realmente o que esperamos da vida, mas sim o que a vida espera de nós.” Havia no campo pessoas que tinham perdido tanto a esperança que não esperavam nada mais da vida. Frankl conseguiu que vissem que “a vida ainda estava esperando algo delas.” Um homem, por exemplo, tinha um filho ainda vivo, num outro pais, que estava esperando por ele. Outro viu que tinha livros para produzir, algo que ninguém mais poderia escrever. Através desta sensação de um futuro esperando por eles, Frankl conseguiu ajudá-los a descobrir seu objetivo na vida, mesmo no vale da sombra da morte.

A mudança mental que isso envolvia ficou conhecida, especialmente na Terapia do Comportamento Cognitivo, como remoldurar. Assim como uma pintura pode parecer diferente quando colocada em outra moldura, assim é com a vida. Os fatos não mudam,mas a maneira como os percebemos muda. Frankl escreve que conseguiu sobreviver a Auschwitz vendo-se diariamente como se estivesse numa universidade, fazendo uma palestra sobre a psicologia do campo de concentração. Tudo que estava acontecendo com ele era transformado,por este ato da mente, numa série de ilustrações dos pontos que ele estava abordando na palestra. “Por este método, consegui de certa forma elevar-me acima da situação, acima dos sofrimentos do momento, e observá-los como se já estivessem no passado.”3 Remoldurar nos diz que embora não possamos sempre mudar as circunstâncias nas quais estamos, podemos mudar nossa maneira de vermos, e isso por si mesmo muda a maneira pela qual nos sentimos.

Porém essa moderna descoberta é realmente uma redescoberta, porque o primeiro remoldurador na história foi Joseph, como é descrito nas parshiyot dessa semana e da próxima. Recorde os fatos. Ele fora vendido como escravo pelos irmãos. Perdera a liberdade durante treze anos, e ficou separado da família durante vinte e dois anos. Seria compreensível se ele sentisse ressentimento pelos irmãos e um desejo de vingança. Porém ele se elevou acima desses sentimento, e o fez mudando suas experiências numa moldura diferente. Aqui está o que ele disse aos irmãos quando primeiro revela sua identidade a eles:

“Eu sou seu irmão, Joseph, que vocês venderam ao Egito. E agora não se aborreçam, nem fiquem furiosos, porque me venderam aqui; pois D’us me enviou perante vocês para preservar a vida… D’us enviou-me perante vocês para preservar-lhes um remanescente na terra, e para manter vivos muitos sobreviventes. Portanto não foram vocês que me enviaram para cá, mas D’us.” (Gênesis 45:4-8)

E isso é o que ele diz anos depois, após seu pai Jacob ter morrido e os irmãos temerem que ele se vingasse:

“Não temam! Estou no lugar de D’us? Embora vocês pretendessem me fazer mal, D’us o fez para o bem, para preservar um povo numeroso, como Ele está fazendo hoje. Portanto não temam; eu mesmo proverei para vocês e seus filhos.” (Gênesis 50:19-21)

Joseph tinha remoldurado todo seu passado. Ele não se via mais como um homem enganado pelos irmãos. Via-se como um homem encarregado de uma missão salvadora por D’us. Tudo que tinha acontecido a ele fora necessário para que pudesse atingir seu objetivo na vida; salvar uma região inteira da fome durante a escassez, e prover um porto seguro para sua família.

Este simples ato de remoldurar permitiu a Joseph viver sem um senso de raiva e injustiça. Permitiu que perdoasse os irmãos e se reconciliasse com eles. Transformou as energias negativas de sentimentos sobre o passado em atenção concentrada no futuro. Joseph, sem saber, tinha se tornado o precursor de um dos maiores movimentos na psicoterapia no mundo moderno. Ele mostrou o poder de remoldurar. Não podemos mudar o passado. Mas ao mudar nossa maneira de pensar sobre o passado, podemos mudar o futuro.

Qualquer que seja a situação em que estamos, ao remoldurá-la podemos mudar toda nossa reação, dando-nos força para sobreviver, coragem para persistir, e resistência para emergir, no lado distante da escuridão, para a luz de um dia novo e melhor.

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Matéria enviada por Célia Wada

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